Dias atrás eu comentava sobre a ingenuidade daqueles que acreditam na neutralidade da tecnologia e que não conseguem conceber que a "evolução técnica" sempre implica certas perdas e pioras.
Esse livro aqui, O Homem na Era da Televisão, de Jean-Jacques Wunenburguer é um bom antídoto contra essa puerilidade tecnófila.
O autor ergue um edifício de argumentos para demonstrar que a televisão acarreta uma série de ônus civilizacionais que independem de seu conteúdo. Ou seja, ele defende e demonstra que as próprias características técnicas e materiais intrínsecas à televisão já implicam consequências duvidosas para o ser humano.
Assim, o problema da televisão não seria inicialmente em si um problema do "capitalismo", ainda que ele o agrave em parte.
A título de exemplo, o autor aponta para o fato de que no arranjo mobiliário doméstico a televisão ocupou o espaço central no cômodo dedicado à convivência familiar, à sala, tornando-se o seu centro e foco dos olhares de todos. Isso, somado ao efeito narcótico das sucessões de imagens e do bombardeio emocional, favorece a atomização social.
Ele descreve, também, como a televisão coloca o espectador em um estado de relaxamento (sentado/recostado, relaxado, tranquilo, olhos entreabertos) semelhante ao das cerimônias religiosas, das sessões de hipnotismo e dos rituais xamânicos. Em outras palavras, o telespectador é fisicamente disposto de forma a torná-lo mais sugestionável.
E, de fato, o enfoque da TV na imagem dá maior credibilidade ao seu conteúdo em comparação com a mera palavra falada ou escrita, mesmo que não se possa demonstrar jamais a confiabilidade de qualquer imagem exibida na tela. O tema da baixa confiabilidade das imagens, aliás, é um dos principais do livro. Toda foto ou vídeo é sempre uma perspectiva parcial (e não é incomum que a TV reutilize imagens e vídeos antigos, de outros contextos, para situações novas).
Ele demonstra como o formato da TV e sua necessidade de agradar ao maior número possível a empurra na direção de transformar toda transmissão em um espetáculo, mastigando, simplificando e estereotipando cada informação que ela busca transmitir. O meio em si não se presta ao aprofundamento.
Questiona-se, inclusive, o possível "uso cultural" da TV. Primeiro porque a imagem distrai em relação ao conteúdo. Segundo porque a necessária constância repetitiva de transmissões está na contramão do silêncio, da pausa, necessários para a absorção daquilo que foi aprendido. O teatro grego, por exemplo, conhece um início e um fim claros. A TV, com suas transmissões 24h, com 3-4 novelas, 1-2 filmes, 1-2 séries (e isso na TV aberta) todos os dias não se presta à reflexão pós-espetáculo porque não permite o silêncio.
Nada disso muda necessariamente com a modificação do sistema político ou econômico, porque tudo isso está atrelado à própria estrutura da TV e a como a sua tecnologia demanda que seus programas se organizem de formas bastante específicas.
Mais para o final o autor comenta (de uma forma que recorda Guénon) que cada avanço tecnológico sempre implica determinadas perdas e ônus (ele menciona o carro e a sua poluição), e que seria ingenuidade não entender que com a TV se passaria o mesmo.